HELEU e seu homepit




Foto: arquivo pessoal.


BASEADO EM FATOS REAIS


A semana ameaçou um início macabro. Era o primeiro dia de sete dias. Não se previa descanso, apenas labuta intensa. Estrada e pó. Pó e estrada. Estrada e estradas. Contudo, nada me contaminaria para o mal. Até que eu estava “caretasso”, assim, como dizem, nos “customes”. O diferencial igual era que meu “homepit” deveria ser outro. Isto, mais que previsão, era desejo. Joguei a mochila aos ombros e fui para a estrada. 

As mãos sinalizavam companhia gratuita por um bom tempo. “BlaBlacar” era uma boa novidade de mercado, mas a “grana estava curtésima” naquele momento. Daria somente para um "blababla", o "car" ficaria de fora. Naquela estrada, um, dois, três carros. E eu lá, sentado à beira do caminho, como nos anos 70. De repente, uma picape Chevrolet me abençoou na cortesia. Parou. Abriu-me as portas. Eu, sem titubear, entrei. Tirei, desajeitadamente, a mochila das costas e coloquei-a sobre meus pés. Levantei-a com os próprios pés, para ajeitar a carga, e relaxei.

No volante, um sujeito mal-encarado. Eu, na torcida interna, desejando que o interno do sujeito fosse bom. É fato que ele já havia sido bom pela carona, mas isso não significa excluir o "mal-encarado" desta narrativa. Ele mascava algo, sucessivas mascadas, entre olhares sinistros. Usava chapéu de aba larga, jeans e botas com espora. Uma camisa xadrez encardida cobria-lhe o tórax avantajado. Nada agradável, porém, oportuno. 

Uma única fala de entrada foi a minha: “Pode ser?” Da parte do indivíduo, um balançar de cabeça, queixo e cabeça, e nada mais. Uma concordância silenciosa. Depois, apenas o motor do carro e um ronco insistente da minha barriga, o que me incomodava e, certamente, incomodava também o sujeito "mal-encarado". Dava pra perceber a cara dele ziguezagueando com o olhar ora na minha cara ora na minha barriga. Uma dúvida pairava no ar: fome ou gases, ou os dois? Uma coisa era certa, eu precisava que os vapores saíssem por algum orifício, para me aliviar. Contudo, se calhasse pelos fundilhos, a certeza era de que as coisas não iriam cheirar bem.

Nesse longo processo, o melhor mesmo era chegar logo ao destino, mesmo sem ter um destino para chegar. Aliás, eu não acredito em destino. Sou mais crédito em "dez tinos" que em "um destino". Como sempre, questionei-me: “Destino para quê?”. 

Perigo mesmo, naquela hora, eram as valas na estrada. A cada uma, um som mais forte do meu estômago ou do meu intestino. A torcida era pra que não vazasse   pela válvula denominada “anus”, “boga”, “retentor” ou “furico”.  De fato, rolou mesmo uma competição com o motor daquela picape, que quase foi vencido pela minha boga. De repente, uma parada brusca. Ummmaaa freaaaada! 


Sem cinto, nós dois fomos arremessados para o vidro dianteiro, parando a “briza” que ambos iniciaram, visto que um “beck” havia sido aceso por ele e repassado para mim naquele momento. Eu sempre ando “sem mala”, acredito que sempre vou encontrar uma no caminho, como a que me deu a carona naquele dia. E assim foi, com um diferencial: a “chapada” não foi viagem, foi real no para-brisa!

Apaguei o “beck” e guardei a “binguinha”. O cara tinha “boca de piscina”, mas "ela" deu pro gasto. Depois de uma hora, a “binguinha” foi acesa e rolou um “fumacê” na escuridão do ventre paterno. Estávamos ali os três: eu, o cara e o carro. Parados. Um a olhar para o outro e para o infinito da estrada. O terceiro membro não quis “pegar” por nada. Os outros dois desencantaram e decidiram dormir no interior do terceiro. Uma "ménage à trois" necessária. Escureceu e começou a gelar demais. No interior da picape, alguns questionamentos tardios: “Ta de boa?” “ Tô.” “Larica?” “Tô.””Tem ‘bolovinho’?” “Não.” “Você tem cara de “panguão” pra caramba, cara!” “Você, de ‘rato da toca’!”. E começamos a rir.  Éramos todo riso. Mais “erva”, mais “beck”, mais risos, risos e risos. Dormimos rindo.

Acordamos com o sol na cara, e os dois rachando de fome. Ah, não posso me esquecer deste fato! À noite, soltei todos os gases, foi uma “critura” só: natural e intestinal. Lógico que a “marofa” ganhou dos meus gases. Na real? Naquele dia/noite, batemos o carro e a “nave”. E por ali ficamos por mais algumas horas. Não mais que de repente, outra picape pintou na estrada. Não era Chevrolet, mas o cara foi super gente boa. Auxiliou na mecânica, ofereceu água e rango. O rango aceitamos prontamente. “Larica” pura, meu irmão! 

Após os consertos, o sujeito primeiro continuou viagem. Viagem solo, quero dizer. Desentesei de continuar pela mesma direção. O sujeito do segundo episódio iria pra outra,  a que eu, dela, havia vindo. Em sendo assim, decidi voltar para o novo começo. Não raramente faço isso, ou seja, dou um novo tom para minhas idas e vindas. Na real, "descaronei" de um para "caronar"  em outro, para o mesmo lugar que agora era outro, porque era presente. E quando é presente, carece aceitá-lo, não é mesmo?


Depois da primeira vala da volta, questionamentos costumeiros de quem se apresenta por interrogação: “Ta indo para onde? ” “De volta para o fim.” “Como assim? ” “Assim, com você!”  O cara também já tava meio “batido”. Parecia um “gambé” rivalizado, mas não era. “Fogo na vela? ”, disse ele. “Fogo na vela”, concordei. E rimos gostosamente. Um novo “beck” foi aceso, e a estrada ganhou um novo rumo. Se o primeiro só seguiu viagem depois que entrei na picape do segundo, o segundo foi naquele momento em que sai da mesma picape. Que bom que esta não caiu na vala e nem no vacilo! Ufa...

Da minha parte, eu sigo viagem sempre. Não tenho direção igual a tantos direcionados que encontro e reencontro por aí. Deixo sempre acharem que sabem alguma coisa sobre mim, até aquelas que eu mesmo não sei, porque nem sempre são o que parecem ser. 

Há aqueles e aquelas, e aqueles-aquelas que filosofam, "psicaneiam" e os cambau. Acham que acharam uma resposta para o que não tem resposta. Nomeiam-me. Classificam-me. Eu? Finjo acreditar nessas análises e as deleto em trânsito. Na primeira vala, jogo fora. Fato é, que eu me direciono sempre para frente e não para os "outros". Todavia, vou no verso ou no reverso, com direito à prosa limitada, para dar tempo do pensamento anterior ser colocado em prática. Afinal, não sou o "homem de ferro" dos quadrinhos. Sou "redondo", isso sim, personagem de uma narrativa psicológica, que ocupa um espaço mental em um tempo psicológico. Nada de "chronos". 


E pra encerrar o papo, no "frigir dos meus ovos estradeiros", levo fé que direita e esquerda dependem de quem vai ou de quem vem. Contudo, se vou ou venho, decido eu. Sigo sempre fazendo “fumaça”. Quase sempre nas “chivas” alheias. Às vezes até colaboro, da forma que posso, fazendo com que ninguém se sinta solitário. Daí você vai me perguntar: “Nunca mais viu o cara da picape um? “E o cara dois?” Sei lá, devem estar “de boa” por aí, porque quem é “de boa” sempre estará “de boa”. Neste momento, eu estou em outra, cada vez “mais que de boa”, com outros e outras.  Sempre “de boa” com os bons e as boas.  Sem nenhum "bad trip"!



João D’Olyveira




Foto: Arquivo Pessoal.

Música: O Mal é o que sai da boca do homem! - Pepeu Gomes

DESTAQUES DO MÊS