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HELEU e as "verdades secretas"



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"Lá vai uma vela aberta 
Se afastando pelo mar 
Branca visão que desperta 
Anseios de navegar [...]"

 (Walter Franco)

Como afirmado e reafirmado no universo popular, "a vida nos surpreende a cada dia". No vai e vem do trânsito humano, tantos encontros e desencontros, e tantas trombadas. Não me refiro aqui ao estado físico dos corpos, mas exclusivamente aos "cretos verbais" do homo erectus. A "fala" do homem, presa às suas atitudes e solicitudes, explica muitos decretos secretos e indiscretos. É sobre isto que desejo refletir em coletiva, neste texto, com vocês leitores. Aquela velha questão do "dito pelo não dito". Um jogo verbal do dizer algo em um determinado momento e, em outro, contrariar nossas próprias propostas e as daqueles que nos serviram de "salva-vidas". Então, é nesse "chove não molha" que nascem as mentiras ou as "verdades secretas", as quais precisam ser devidamente acareadas pelos interessados no processo relacionamento humano.

Visando à clareza das expressões, se buscarmos as diferenças entre a mentira e a "verdade secreta", uma possibilidade empírica vem à tona: mentir é a capacidade humana de inverter uma verdade; já a "verdade secreta" é a capacidade desumana de não revelar a verdade e ainda sustentar uma mentira como se fosse uma verdade findada. Neste específico, é a omissão dupla de uma "possível" verdade. Um jogo de prazer mesquinho do qual só quem mente tira proveito, enganando inocentes ou aprendizes de "farsário".

Está confuso? Também tenho a mesma certeza que você: está. Aliás, sempre que toco nesses termos, sinto um quê de "se não entendi, como posso explicar". No entanto, vamos às possibilidades. A expressão "verdade", neste caso, não deve ser levada à Filosofia Clássica, mesmo que os naipes filosóficos nos conceda bases para um diálogo pertinente.  Caso assim seja, a "verdade" deixará de existir no coletivo, tomada unicamente pela individualidade que lhe cabe, porque lhe é própria e não concedida, apenas interpretada em vastas leituras. E o que é uma leitura? A soma de tantas outras leituras.

Refiro-me, no momento, à "verdade" daquilo que posso ou não expressar daquilo que tenho como convicção de ser um fato, mesmo que esse fato esteja tão somente no plano do abstrato. Um exemplo desse jogo do concreto e do abstrato pode ser a omissão verbal do "gostar de alguém", que mesmo não se apresentando na fala cotidiana está presente nos olhares, nos toques, nas escolhas artísticas e em tantas outras expressões substitutivas ao elemento "fala". Talvez, então, parta deste princípio a expressão "mas fulano não falou nada pra mim, como eu iria adivinhar". O argumento é um álibi ou outro álibi, pois, nesse caso, não há outra alternativa.

Um dimensionamento das "verdades secretas" também pode estar em juras diversas. Uma delas é a afirmativa dita com o encerramento de um relacionamento amoroso, principalmente quando esse término tenha apresentado doses segmentadamente traumáticas. Quanto às juras, temos: "jamais confiarei em alguém como confiei em fulano" ou "não acredito mais no amor". Quanto ao valor à família e aos amigos, mais pérolas: "família é tudo", "eu perdi tempo confiando somente em fulano" ou "como é que eu fui me distanciar dos amigos", "eu nem percebia o que estava acontecendo comigo", "sem  'amores' a gente vive, mas sem amigos, jamais". Para concluir essas expressões, um clássico das "des-clássicas": "nunca mais caio nessa, agora estou vacinado".

O curioso dessas "pseudoverdades" está na força dada ao arrependimento, assim como na hipérbole do "nunca mais", como se a aprendizagem estivesse em uma única passagem vital ou apenas na soma de outras tantas incompletudes da mesma vida, todas significativas ao que ainda não se findou, portanto, sujeitas a inversões de valores ou da descoberta desses. É...mas e essa tal  figurativa "vacina" milagrosa? 

O fato é que, nesse misto de "mentiras" e "verdades secretas", quem sai perdendo será sempre a retaguarda. Sim, "perdendo", sem por nem tirar nada deste gerúndio subtraído.  E esse perder é vasto, ele vai desde o "tempo", que nos é tão precioso, à própria conduta de vida, que anormalmente é desviada em favor do outro. Muitas vezes até em sacrifício dos nossos próprios sentimentos. As "vítimas" sempre serão os receptores, não nego, ainda que, às vezes, os negue. Os emissores serão as "vítimas secretas" dessas "verdades secretas" que, no fundo pasmado do nosso consciente, são mentirosos munidos de mentiras embalsamadas.

Ou seja e vamos lá: somos salva-vidas daqueles que se afogaram e foram salvos pelo nosso beijo milagroso, tal qual a tal "vacina". Tudo bem, mas para que serve mesmo esse "beijo" pós-afogamento? Numa sequência lógicas das ações, pós-afogamento, temos que retirar as roupas molhadas da vítima, elevar sua temperatura corporal se ela apresentar hipotermia, proteger sua coluna cervical e iniciar o tal beijo...a respiração boca a boca.

O perigo dessa sequência, em referência aos amores e desamores presentes no cotidiano da vida, porém, é que todo beijo, e talvez até esse "boca a boca", de forma instintiva, permitirá-nos colher informações imediatas a respeito da condição física do "outro".  É um detalhe que acasala ou afasta. A frequência nos afogamentos de amigos é o afastamento, visto que o veraneio para eles sempre continua de boa numa canoa que não se apresenta furada.

Assim, no reflexo rápido do "por que ele veio" e "porque o socorri", diríamos: "tudo bem, valeu". O problema é que não somos apenas profissionais das águas nessas aventuras. Nossas ações são sentimentos puros ou nem tão puros, mas sentimentos humanos. E neste caso o perigo pode fazer morada. E nesse "chove não molha" de falas propositalmente matreiras,  uma verdade "não secreta" pode aqui ser dita: nada como poder ser parceiro, auxiliar o outro nos seus momentos difíceis ou até "lunáticos". Afinal, uma das nossas funções terrenas deve ser essa mesma, "dar e receber", um "troca-troca" nada obsceno, porque abençoado pelo divino. Contudo, estou me referindo ao "ser usado" nessa narrativa toda, nessa lamúria sentimental de "outro" ser, como se não soubéssemos que, em breve, seremos ignorados pelo "ressuscitado".

Lembremo-nos de que  esse "outro" da história sempre toma novos relacionamentos  ou retorna aos antigos, sempre embalados com cara de novo. Também, em crescente, que ele vai simplesmente se distanciar dos seus "salvadores". Isto é fato. Deve ser porque o novo crie um esquecimento do equilíbrio entre o tempo que lhe ofereceram e o espaço que lhe permitiram fazer uso. A ação quase fílmica corresponde a uma osmose enganosa que lhe oferta uma certeza de que está tudo bem, de que ele não corre nenhum perigo sentimental e de que não existe mais "verdades secretas" em sua vida. Sem the end, apenas narrativa com a presença marcante de um narrador mais do que apenas somente observador.

Preocupa-me, apenas, as possíveis recusas futuras, porque há limitações humanas. No geral, só se pode "dar" se "receber". Do contrário, a esfera de gosto e necessidade se esvairá. O elo não completará sua ação. As águas não mais moverão moinhos. O vento soprará noutra direção. E nesse emaranhado de possibilidades concretas, a pergunta que não quer calar é a seguinte: Será que o "outro" sabe dessa ocorrência na outra extremidade ou faz valer mesmo o dito da sabedoria popular de que "o amor é cego"?

Estou sem resposta no agora. Minha única certeza é de que estou de frente para o mar, literalmente aportado. Aqui do porto, parece-me que o mar está calmo. Na minha, ainda, função humana de salva-vidas, restam alguns conselhos, tais como: "não vá tão fundo se não sabe nadar", "em águas escuras, melhor não mergulhar", "respeite o habitat do outro", "arrisque, mas assuma o risco". 

Quiça tudo corresse bem para o "outro"; porém, que o divino também conserve os familiares e os amigos desses "outros", para que esses parceiros estejam dispostos a abraçá-lo noutros possíveis naufrágios, mesmo ciente e consciente de que desse "outro" não tenham recebido a devida consideração. Uma dessas considerações diz respeito ao tempo em extensão. Esses "outros" sempre se dizem "sem tempo" para quem tanto tempo lhe ofertou. Ofertantes que buscaram um tempo que não existia no tempo e que, quando achado, também lhes era precioso, mas o entregaram a quem lhes parecia mais necessitar: o "outro". 

Nesse emaranhado de "verdades secretas", o único "senão" diz respeito à aprendizagem direcionada à ciência humana: nosso corpo é composto de cerca de 70% de água, cabendo, depois de uma certa idade, somente a nós não poluí-la. Assim sendo, não se deseja que o "outro" deixe de procurar a felicidade, isto não. Sempre será desejada a felicidade do "outro". O que se deseja, também, é que esse "outro" ofereça tempo àqueles que tempo tiveram e terão para lhe oferecer caso necessite. Agora...envenenar nossos rios internos com "verdades secretas", isso jamais! 


João D'Olyveira



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