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HELEU e o "ré-encontro"

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BOCA DE FORNO

Ponto de ônibus.
Clima ameno.
Fim de noite.
Quase madrugada.
Em uma cidadezinha qualquer...

Independentemente de todos os percalços, o clima era de final de brincadeira. Hora de voltar pra casa. Na mente, casos, acasos e ocasiões. Não esperava por ninguém a não ser o transporte (nem ouso dizer o motorista do ônibus, era o ônibus mesmo que eu queria). E este era apenas o elemento funcional naquele momento de minha vida. Na verdade, o que mais desejava naquela hora era relaxar o corpo e a mente. Pudera, havia passado por doze horas de trampo, e corridas. De repente, um grito ecoou noite adentro: "Joooooooooãããão!".

Fosse apenas um grito, seria somente ouvidos. Olhar? Naquele lugar e naquela hora? Jamais! Mas era meu nome que havia sido pronunciado. Por mais comum que seja o meu nome, sabia que era eu a pessoa chamada. Então, a ação era mais que apenas um grito, era um chamado. Um "need to talk to you". Até porque não havia mais ninguém por ali (pelo menos acreditava naquela possibilidade). E sendo assim, nada mais honesto que atender àquele chamado. E o atendi. Alguém gritou: "Boca de forno". Respondi: "Forno!". E assim o foi!

Primeiramente um determinado olhar ao veículo que passara e já se posicionara a uns cinco metros do local onde me encontrava. Quando fixei os olhos, tentando (pelo menos) reconhecer o veículo, ele deslizou suavemente até onde eu estava parado. Diferentemente do grito, agora de forma branda e extremamente carinhosa, fui indagado por uma voz de comando, ainda que dócil: "Faz o que eu mandar?".

Na suavidade do momento, apenas um gesto com a cabeça. Concordei. Porta destravada. Entrei. O boa-noite (ou quase madrugada) foi dito com um beijo. O natural aperto de mãos foi substituido por carícias. Nenhuma fala em um longo e silencioso texto. A partir daquele momento, a brincadeira seria outra. Muito depois, a fala natural: "O que você faz perdido por aqui?".

Não busquei resposta, disse no tapa: "Desejava que alguém me encontrasse". "E esse alguém..." , disse a personagem noturna. "...foi você", completei. Mais um longo beijo. Um abraço de corda de marinheiro. Respirações fortes e localizadas. Risos. Ainda que a estrada insistisse em ser longa, a viagem foi curta. Porém, o suficiente para um diálogo absolutamente pausado, temperado com olhares, carícias, toques...


Ainda que fragmentado, falamos de quase tudo, de quase todos e muito de nós. Contudo, em momento algum me remeti ao passado, até porque passados amorosos devem apenas receber orações de agradecimento. Presente é o que importa, por isso se chama presente. E naquele momento havia recebido um lindo presente: um reencontro. Sendo assim, embora existisse passado, não era passado. Era presente, porque a personagem estava comigo e não apenas em minha mente. Estava comigo, assim como a viagem chegara ao fim.

Ponto de chegada. Hora da despedida. Calaram-se os papos. Outro beijo. Mais um beijo. Um correr de mãos à procura de apoio. Apoio. Um longo abraço. E "tchau!", disse. Foi quando ouvi: "Posso pedir mais uma coisa?" Concordei. Ela insistiu: "Se não a fizer?". Respondi: "Tomo bolo". Ela me olhou, sorriu marotamente e cancelou o pedido. Entendeu perfeitamente a expressão que lhe foi respondida: se não cumprirmos nossas promessas, pagamos por elas. E isto é natural em qualquer situação. É fato. "Se não tem certeza, não prometa!"

E assim foi. Sem promessas de novos encontros, o que me é agradavelmente interessante em qualquer dos meus relacionamentos amorosos. Quiçá fossem em todos! Compromisso é ação de profissionais e não de amantes. Amor, paixão, sexo pertencem a outras áreas, portanto carecem de outras ações.

Sempre concordei que marcar novos encontros significa continuar. Porém, como continuar aquilo que já está completo. Penso assim: "a história deve ser completa no tempo, no espaço e na ação". Novo encontro, portanto, é nova história. E ainda não sei quem serão os novos atores. Sei apenas que depois os escalarei. Caso contrário, serei eternamente dirigido.

Agradeci. Destravei a porta do carro. Sai. Nem olhei para trás. Aliás, nunca olho para trás. Sempre acreditei que (assim fazendo) pudesse me tornar uma estátua de sal. Eu não quero ser estátua. Quero vida em abundância.

Hoje me resta o acaso, que se tornou um caso, em razão de uma ocasião. A imagem ficará em minha mente como um "bom presente". E esse "presente" será lembrado noutros dias, noutros pontos de ônibus, noutras cidade, até que apareçam outras personagens interessantes, para que eu possa compor minha real narrativa, a qual se apresenta em capítulos dários. Até porque o que realmente vale nesta vida são os encontros. Sejam eles quais forem. Seja o encontro com o outro, com os fatos, com a realidade, com as descobertas. O nosso próprio encontro. Este extremamente necessário, para que, no encontro com o outro, possamos ser e estar e não apenas estar. Estar sem ser jamais será completo. Tenho provas disto.


Na mente, apenas a voz a me dizer:
" Boca de forno."
E minha versão criança não inocente a responder:
"Forno!"

João D'Olyveira

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