PORTA ENTREABERTA
Está
muito difícil
acordar
de manhã e não ter mais você ao meu lado,
mordendo
minhas orelhas,
recitando
Cecília, Clarice, Pessoa;
cantando
Caetano, Chico, Elvis.
Está
muito difícil
curtir
o bem-te-vi das manhãs na vidraça do quarto,
não
ter mais a mesma visão de outrora:
nós
e o pássaro,
o
cantar do pássaro e o nosso cantar.
Está
muito difícil
dobrar
a roupa de cama,
recolher
o pijama e o lençol,
sentir apenas o meu cheiro no travesseiro.
Está
muito difícil,
preparar
apenas uma xícara de café,
ladear apenas um prato de sobremesa e um casal de talheres,
omitir o sabor e o aroma prazerosos de outrora.
Está
muito difícil
passar
mel e requeijão no pão de forma salpicado com castanhas,
espremer as laranjas no liquidificador,
espremer as laranjas no liquidificador,
lembrar-me
daquela sua sensual lambidinha...no pão e no meu pescoço.
Está
muito difícil ouvir Dio come ti amo,
que se fez tão nossa,
que se fez tão nossa,
rodando
num vinil postado na velha sonata do armário de ferro,
enquanto nos banhávamos em nossa branca banheira de pés curvados.
Está
muito difícil
conviver com esses gritos e gestos tão íntimos, internos e intensos,
conviver com esses gritos e gestos tão íntimos, internos e intensos,
assim como aceitar que recordar é viver,
enquanto morro de saudade a cada nova manhã.
Está muito difícil
achar respostas para a sua partida,
que não teve requinte de despedida nem entrega das chaves.
Está
muito difícil...
João
D’Olyveira
"Nosso caso
É uma porta entreaberta [...]
Há um lado carente
Dizendo que sim
E essa vida da gente
Gritando que não..."
(Gonzaguinha)