HELEU e o quase dezembro




CENA 12: Natal!

Num quase dezembro,
de cabeça cheia,
de olhos minguados e cheios de areia,
um corpo cansado, de barriga vazia,
com ombros caídos e rugas na cara,
resolveu aparecer.

Era mais um sobrevivente,
um operário quase indigente,
mais um otário do sistema sem ecos,
mais um protótipo da vítima social.

Vivia escondido nos cantos,
sem encantos,
apenas pó.
Sempre desmazelado,
de corpo presente,
desdentado,
ouvinte e só.

Sujeito que no final de ano visitava as luzes da praça,
admirava os presépios vivos,
observava atento as vitrinas das lojas sem liquidação.
Um qualquer vivente que somava sonhos a pesadelos,
independentemente do prazo e da ação.
E que ainda se torturava,
assistindo às cenas
que somente nesses sonhos protagonizou.

De longe,
via um homem que vendia,
uma mulher que embrulhava,
um filho que pedia,
outro que reclamava.
E um pai que atendia
sem nunca pestanejar.

E aquela mãe exagerada,
ele via.
E ela ria,
e ria,
tanto quase a gargalhar.

Via o outro que pagava
à vista o olho da cara;
e também se via no próprio,
que com cara de importante
apelava pro cartão.

E aquela imagem franzina,
que nada tinha de natalina,
abraçava calado ao filho,
que junto com ele calava na mesma dor .
Daí olhava pra barriga da esposa,
alisava-a,
e a ela pedia perdão.

E tudo cheirava a um crime não cometido,
por ser ele criminoso e vítima,
um bandido.
E tudo porque trabalhador.
E lá continuava ele...

Sempre espremido num canto,
sem encantos,
apenas pó,
era mais um pária desorientado,
mais que ausente,
desmotivado,
mais uma vez ouvinte e só.

E foi esse mesmo homem,
que no mesmo quase dezembro,
no mesmo quase final de ano,
que pelos seus desenganos,
quase se desiludiu,
quase se finalizou.

E que abençoado pela Providência Divina,
antes que o quase se completasse num canto;
encantado,
à beira do desencanto,
em cantos,
da praça a luz desejou.

Depois sorriu mesmo sem os dentes,
quando viu que o caminho se iluminou,
porque quase no findar das horas,
próximo da eternidade,
sentido pra vida encontrou.
Que não estava na loja,
muito menos era posse do revendedor.
Era uma Verdade inteira,
plena e até rasteira,
interna na sua própria vitrina humana,
aquela que todos têm,
e que nem sempre vêem,
e que pr’o próprio crescimento,
às vezes vem decorada de dor.

E o homem saiu do canto,
e até um hino cantou.
E de joelhos c’a família,
abençoado pela Virgem Maria,
dois dobrados de tempo orou.

Ele descobrira ali,
no momento em que ia se findar,
que dentre os seres viventes
todos têm o seu valor;
e que dentre os presentes,
só existe um presente:
que é o ser trabalhador.
E que independentemente das cifras,
que em todos os seus “natais”,
nunca lhe faltassem a paz
e o essencial AMOR!

João D'Olyveira

3 comentários:

  1. AS "diferenças" sociais tripudiam meus sentimentos fraternos... mas enfim, QUE NAO FALTE....PAZ AMOR AMOR AMOR....EMOCIONEI!!!

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  2. "E que independentemente das cifras,
    que em todos os seus “natais”,
    nunca lhe faltasse a paz
    e o essencial AMOR!"

    Muito lindo! Que Deus o conserve com essas inspirações maravilhosas.

    BEIJOS!

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Agradecimentos Heleunísticos
João D'Olyveira

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